domingo, 10 de janeiro de 2010

O “computador” de Deus

Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá
Acabo de saber pelos noticiários que está começando a funcionar, no país inteiro, um novo registro de nascimento. Se entendi bem, cada registro e, portanto, cada criança terá um código, e através desse conjunto de números será possível reconstruir todos os dados daquela pessoa: quando e onde nasceu, os pais, e, sobretudo, em qual cartório foi tirado o primeiro registro. No dizer do comentarista, se tudo funcionar bem, esse código evitará fraudes e a possibilidade de conseguir um ou mais registros de nascimento ao longo da vida, com nomes ou dados diferentes. Dessa forma também deveria ser impossível ter um segundo ou um terceiro CPF, assim como registros fiscais ou outros documentos de fantasmas, ou seja, de pessoas inexistentes. Assim nenhuma pessoa “fictícia” - ou falecida - poderia fazer negócios, receber aposentadoria ou votar. Muito bem. Talvez algo de semelhante precisará ser feito também com as pessoas “jurídicas”, para evitar a criação de firmas fantasmas, que emitem regularmente notas fiscais, recebem e administram dinheiro público, e nunca pagam impostos.
Chegamos, então, à conclusão que daqui a alguns anos, quando os atuais cidadãos ainda não fichados não existirem mais, toda a população estará registrada nos computadores públicos. Uma grande conquista, sem dúvida alguma. Significa, no mínimo, que será possível um censo da população quase diário. Querendo, todos os dias saberemos quantos estão vivos ou mortos, quantos homens e quantas mulheres estarão circulando por aí. Talvez até por onde andam. Se olharmos por sexo e faixa etária, será possível saber o tamanho do público masculino, feminino, infantil, juvenil e idoso. As indústrias especializadas capricharão em atender aos seus clientes e em criar produtos diferenciados. Tudo será mais fácil e transparente. Uma maravilha! É o progresso. Quem viver verá.
Nada contra, de jeito nenhum. Só fiquei pensando como serão as nossas paróquias e os nossos registros de batizado, casamento, etc. Nós também lidamos com registros de nascimento duvidosos. Sobretudo nos lugares onde as pessoas vem de fora e não são conhecidas. Certa vez um padre, colega meu, fez o casamento de um rapaz com o registro do irmão dele, acreditando que fosse solteiro. À pergunta do padre sobre o por quê tinha o nome diferente daquele pelo qual era chamado, o rapaz, mal intencionado, culpou o cartório pela troca dos nomes. Mais tarde, quando o outro irmão, o verdadeiro dono do registro, quis casar descobrimos a fraude: o primeiro já era casado, mas para aparecer livre e desimpedido tinha usado o registro do irmão ainda solteiro. Aquela vez a mentira teve mesmo pernas curtas.
Durante muitos séculos, e até há alguns anos, o registro de Batismo era o maior comprovante de existência de uma pessoa e o testemunho da idade dela. Ainda hoje, quando se aproxima a época de pedir a aposentadoria, os idosos aparecem nas paróquias. Tem idoso que, pelo fato de não lembrar nada do seu Batismo, pede para ser batizado novamente, para ter a certidão, e assim ele pensa garantir a aposentadoria. Era simples, quando o padre passava na comunidade, os pais primeiro batizavam a criança e, depois, iam à cidade, para fazer o registro de nascimento. Muitas vezes passavam anos, esqueciam das coisas, confundiam os filhos, e acabavam declarando nomes e datas diferentes daqueles apresentados ao padre na hora do Batismo. Isso nos dá um bom trabalho de busca nos livros de batizados ainda hoje.
Cada vez mais o Batismo de crianças, jovens e adultos não terá mais nada a ver com documentos de identidade ou aposentadoria. Terá que ser uma escolha dos pais, do jovem ou do adulto. Como nos primeiros séculos da vida cristã, quando as pessoas buscavam o Batismo para fazer parte da Igreja, ter acesso aos demais sacramentos da Iniciação Cristã (Crisma e Eucaristia) e continuar ativamente na vivência da própria fé.
Contudo, como Igreja, não podemos esperar que as pessoas decidam para o sim ou para o não ao Batismo, porque ninguém pode decidir livremente e conscientemente sobre assuntos que não conhece de maneira suficiente. Se antes muitas escolhas eram feitas por costume, de agora em diante a decisão terá que ser motivada pelo anúncio e pela capacidade da própria comunidade de testemunhar a força de transformação das pessoas, que a graça do Batismo e o compromisso da fé operam.
No novo registro civil, ninguém mais terá escrito “filho de pai desconhecido”. Também no “computador” infinito do amor de Deus Pai todos nós somos muito bem “registrados” como filhos e filhas amados por Ele. Cabe a nós corresponder com gratidão e livremente a esse amor.

Nenhum comentário: