sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Dar de nossa pobreza

Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá


O homem era muito pobre. A casa era improvisada. A mesa estava encostada numa parede, porque lhe faltava uma perna, e a única cadeira estava amarrada com barbante. Em cima da mesa tinha um prato esmaltado há muito tempo e agora enferrujado. O copo era uma velha latinha de cerveja adaptada para o uso. Somente a colher brilhava um pouco à luz da lamparina fumegante. A situação era miserável. O homem, porém, era muito devoto de São Judas Tadeu e todo dia fazia uma bonita oração pedindo ajuda ao seu amado Santo. Reclamava porque, dizia ele, o Santo o estava deixando morrer de fome. Certo dia São Judas resolveu aparecer ao homem para ajudá-lo. Sem dizer uma palavra, acompanhado pelos olhos arregalados do pobre homem, o Santo tocou com o seu dedo na colher, no prato e no copo e estes, milagrosamente, transformaram-se em ouro. Ele sorriu para o homem, esperando por um agradecimento. Nada. O pobre estava agora com os olhos fixos nos objetos de ouro. O Santo entendeu que talvez fosse o caso de ajudar mais um pouco. Assim também a mesa e a cadeira foram transformadas em ouro maciço. A esta altura o Santo parou, aguardando alguma palavra do pobre. Nada de novo. O homem estava como que enfeitiçado com o que estava acontecendo. São Judas perdeu a paciência e gritou: - Mas enfim, meu amigo, o que você quer mais?

- Eu quero o seu dedo! – respondeu imediatamente o homem.

Mais uma simples história para lembrar a ganância humana. Quem não tem, deseja ter, e faz de tudo para possuir o que, segundo ele, falta-lhe. Quem tem às vezes de sobra, nunca fica satisfeito; sempre quer mais e mais. Apesar de todos os nossos discursos, o dinheiro e tudo o que vai junto com ele: bens, mordomias e luxo, atrai-nos e nos confunde. Sem falar do medo de perder esses bens; da frustração e dos sentimentos de derrota que sentimos, quando devemos admitir que nos saímos mal nos negócios e o nosso patrimônio encolheu. É o desespero e a vergonha.

Com essas idéias fica difícil estabelecer quanto podemos chamar de “sobra”. – Eu nunca tenho sobra! – deve estar pensando alguém. Na realidade a sobra deveria ser aquela quantia de dinheiro ou de bens, que, objetivamente, não nos é tão necessária. Poderíamos viver muito bem, e ainda com muitas outras sobras, se ficássemos sem aquela parte. Poderíamos doá-la a quem não tem. Não nos faria falta alguma. Ainda faturaríamos simpatia com as palmas dos beneficiados e orgulho com os olhares dos invejosos que doaram menos. Talvez chegássemos a ter também uma foto na coluna social do maior jornal da cidade e, se a esmola fosse muito grande, a perene gratidão da Instituição Beneficente esculpida numa placa na parede do Salão Nobre. Demos as sobras e ganhamos propaganda. Demos algo que nunca vai nos fazer falta, e que talvez nem soubéssemos ter, e recebemos em troca uma quantia desproporcional de elogios. Enfim valeu a pena, não perdemos quase nada e saímos ganhando.

Tudo ao contrário do que aconteceu com a pobre viúva do Evangelho deste domingo. De tantos que davam as suas vultosas ofertas para o Templo, só ela mereceu uma palavra de louvor de Jesus. Pela simples razão de que as suas duas moedinhas correspondiam não às sobras dos ricos, que nunca lhes fariam falta, mas ao necessário para ela viver. A pobre mulher deu tudo o que possuía.

O valor de uma oferta, aos olhos de Deus – e não dos homens, claro – não se mede pela quantia, mas por aquilo que a oferta representa: um sacrifício, uma renúncia de algo que, acreditamos, vale muito mais. O que vale mais é o nosso desprendimento, exatamente o contrário da ganância. O que vale mais é o amor ao próximo.

Não adianta dizer cegamente que “estamos dando a Deus”. Estamos dando a pessoas humanas nas quais, porém, confiamos para o bom uso daquela contribuição, sustentando alguma atividade que acreditamos importante, ou um trabalho de caridade, de assistência social, de serviço aos mais carentes. Deus, em si, não precisa do nosso dinheiro. Nem muito e nem pouco. Somente quer nos ajudar a sermos generosos, para aprender a enxergar os necessitados e a confiar naqueles e naquelas que visivelmente e honestamente praticam o amor ao próximo, cuidando daqueles dos quais ninguém cuida. Devemos aprender a “dar de nossa pobreza” e não somente a pedir para nós. Para a ganância sem fim não tem dedo de Santo que agüente, mas para o amor e a partilha até duas moedinhas fazem milagres.

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