sábado, 8 de maio de 2010

Relíquias

Essa vida é uma graça mesmo, principalmente as surpresas que ela traz pra gente, quanto ser humano. Estou novamente passando uma temporada de veraneio com o “Nona” ( como eu chamo meu pai) no hospital.
Ele passou muito mal, falta de ar, não tava se alimentando direito, perdeu todos os quilos que conseguira na nossa última vinda aqui, deu um susto pesado na gente.
E agora, sentada na cadeira de rodas que leva e traz ele para o hospital, fico olhando ele dormir depois de uma bateria de remédios para acalmar a falta de ar, a dor aonde o tumor se alojou, a tosse, a sede, a agonia...e pensando, as voltas que essa vida dá.
Sempre soube que um dia tanto meu  pai quanto minha mãe iriam me deixar. Quando criança isso era terrível para mim, principalmente em se tratando da minha mãe, que sempre esteve presente, desde o meu riso até o meu pranto...em tudo ela sempre estava presente, e a sensação da ausência de uma mulher que nunca saira do meu lado me deixava angustiada.
Com o papai era diferente...ele sempre foi homem livre e teimoso. E adorava mostrar isso para a família, quem dava às ordens era ele, era o pai, o homem, as brincadeiras eram poucas, vivia viajando para o mato atrás de plantas medicinais para o IEPA.
Falava de mato e de animais, adorava comer uma caça, bebia demais, fumava demais, e sempre que estava com o humor nas alturas, levava eu e a Ilvana para comer um cachorro quente no Chaparral, leia-se o melhor da cidade naquela época.
Depois de muito tempo, eu já casada, eu já com filho, e eu finalmente formada, empregada, descobrimos a doença dele, um pouco tarde para os nossos sentimentos, talvez cedo para quem aprendeu pouco sobre a vida e a importãncia que devemos dar a ela.
Sem perder o foco da mensagem, olhando daqui ele deitado, falando como criança, mas pensando como adulto, vejo que agora chegou a nossa vez de cuidar dele. E logo eu, que do alto da minha sapiência, achava que iria perdê-lo normalmente, como sempre perdemos um ente querido....
Mas eis que chegou o câncer, e com ele, toda a nossa angústia, medo, risco, insanidade...e com ele toda a nossa coragem, nossa descoberta, nossa vontade de ver o papai mais vivo do que nunca!
Vá se entender passar toda uma vida vivendo feito cães e gatos...se amando e brigando, e ao chegar naquilo que seria o fim de uma história, tentar recuperar todo o tempo perdido, enchendo o Velhinho de beijos, abraços, afagos, de muitos ‘eu te amo’...
Não me arrependo do que fiz, o feito está feito, não tem como fugir, e corro atrás do que não fiz para ter o sabor de dizer no futuro, que sim, eu fiz, que sim eu vivi...e que eles – tanto o Nona quanto a Carmita – souberam que nós estivemos aqui, que eu estive aqui, e o que não fiz quando adolescente, me empenhei para fazer agora...
Atualmente, considero minha irmã mais velha uma grande amiga, a garota quando mais nova tinha uma personalidade de velha que me  chateava, éramos o yin e yang...nos aturávamos meia hora, ou até um pouco mais, massss na hora das brigas, gente...era terrível.
Hoje não, essa coisa da velhice bater na sua porta, e você começar a ver e pensar na vida de um jeito nunca visto antes é a mais pura verdade. Estou aqui, minha irmã está lá, meu irmão mais velho também está junto de nós, ninguém mais se esbofeteia, no máximo se xinga, e depois pede perdão...
Hoje nos amamos mais que antes, e sentimos tanto amor por saber que a vida - esse passeio de trem que de vez em quando pára em algumas estações levando aqueles que mais amamos para longe de nós – existe e nos deu, dá oportunidades que estamos aprendendo a valorizar e a guardar feito relíquia...
"Agora está longe vê, a linha do horizonte me distrái, dos nossos planos é que tenho mais saudade...
quando olhávamos juntos na mesma direção...
aonde está você agora além de aqui dentro de mim...

3 comentários:

Unknown disse...

Li, me comovi e compreendo perfeitamente o que estais sentindo. O amor no uni. E a descoberta do amor, por mais que tardia, nos transforma.

Mapleise disse...

Emocionante! Fiquie arrepiada aqui! E agradeço pra Deus por ter você como minha MELHOR amiga! Sempre me ensinando e rindo até do meu mau humor. Beijos e fica com Deus!

Ten Ewerton disse...

Você é uma guerreira minha amiga. Eu nem desconfiava disso tudo até o dia em que te perguntei o que fazias no hospital...e agora essa postagem de "vento no litoral". "Deus é aquilo que nos falta para compreender o que não compreendemos". (Raul dos Santos Seixas)